terça-feira, 2 de junho de 2009

Ele há períodos na vida, em que tudo se assemelha a um enorme buraco negro

Foram os problemas com as finanças, o negócio que não voltava a descolar, o sentimento de angústia e depressão, e depois a grande bomba. A dor imensa. A partida da Santinha.
Maria da Pomba não podia deixar de se sentir feliz pela sua amiga. Estava com o homem que sempre a amou, ainda que em segredo, e esperava o filho há muito desejado.
As restantes comadres tinham ficado espantadas, duvidavam da veracidade das informações, mas ela sabia que era verdade.
Aquele amor da Santinha tinha começado fazia muito, era ela ainda muito moça. Com a vinda para Lisboa, e com a continuação da necessária farsa, veio também a obrigatoriedade de se fazer de mais velha. Muito mais velha. Foi por isso que, inicialmente se juntou àquele divertido grupo de velhas. Pelas tricas do bairro, e para lhes copiar os trajeitos e as posturas. E não fora o extremo poder de observação de Maria da Pomba, e a sua capacidade de ler nas estrelas que ali havia coisa, e a trama jamais teria sido desvendada. Mas Maria da Pomba era mulher honesta e antes de tudo o mais confrontou a recém amiga, que lavada em lágrimas, lhe confidenciou o amor proibido, e as razões macabras que os haviam trazido até ao centro de Alfama. Maria da Pomba desfez-se por dentro com a história interdita da pobre moça, e fez promessa militar que a havia de ajudar. Jurou-lhe segredo, e assim o manteve. Bordou-lhe quase todo o enxoval com motivos de namorados religiosos, prendas que Santinha guardava com extrema cautela no fundo duma velha e pesada arca onde repousava a televisão do quarto.
Por vezes queria apresentar Santinha a uma vida diferente. Ponderara até juntá-la ao Cotovia. Tinha-lhes lido o mapa de compatibilidades, e aquilo era uma união feita nas estrelas. Mas o destino fintou-lhe as ambições.
Era um período triste. De difícil suportar.
Mas agora nada ... nada, mas mesmo nada, a tinham preparado para aquele momento.
Na manhã depois duma estranha tarde passada com a Linda, em que esta lhe insistira tocar todo o seu imenso repertório, com direito a encore com 4 ou 5 êxitos, e uma overdose de pistáchios salgados para melhor aguentar a coisa, aparecera-lhe umas manchas vermelhas pela cara e pelo pescoço. Convencera-se que tinham sido os pistachos em dose maciça, e que o Correia do Posto Médico logo lhe havia de dar indicação duma pomada.
Foi por isso com consternação que ouviu a palavra “varicela”.
Agora encontra-se de cama, em estado febril, onde alucina com o regresso da Santinha a cantar os êxitos da Linda, enquanto a Maximina grita pelo Valério e a Maria de Lurdes procura esconder atrás das costas uma imensa caixa de embrulho. Estranhamente Vanderlei, é a única comadre que se mantém na sua condição normal, a recortar fotos do Filipe de Espanha para o álbum de família.

5 comentários:

  1. Olha mulher se estivesse ao teu lado levavas-te já uma galheta que é para não seres auto-destrutível ouvistes? Vá, não fiques triste com isso das manchas que qualquer dia já estás boazinha, não fiques triste com a partida da Santinha que ela é que está bem nos braços do seu amor e portantos muito bem, não fiques triste comigo que eu arranjarei com quem rezar que eu cá não sou de deixar as minhas partes...Ai...As minhas orações por mãos alheiras porra! Olaré se arranjarei outras mãos... Xizinho e melhoras muito rápidas queridinha!

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  2. Não é auto-destruição, não lhe acho mesmo muita graça.

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  3. Pá a vida não é só feita de graça. Às vezes é, e passo a citar a queridinha Maria de Lourdes (que é só com "u" mas eu gramo mais pôr com "ou") cheia de fezes. Mais xizinhos e vê lá se te metes (salvo seja) boa! :)

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